"Quem liga se eu sou bonita se eu perder nas provas?"
(Sim, esse vai ser mais um texto dos inúmeros que surgiram após o revival de Gilmore Girls, porque aparentemente toda a internet está obcecada por essa série. Contém spoilers sobre a temporada nova.)
Rory Gilmore sempre foi um floco de neve especial. Já havia lido todos os clássicos russos com 12 anos; enquanto outras crianças sonhavam com viagens pra Disney, seu maior almejo era entrar em Harvard, e quando terminou o ensino médio, foi prontamente aceita em várias faculdades de prestígio - para então depois de toda uma vida obcecada por Harvard, trocá-la por Yale, para a incredulidade desta que vos fala.
No revival e mais recente temporada da série, contudo, vemos uma nova face da Rory. Adulta, com 32 anos, desempregada, sem morada fixa, em um relacionamento tão insignificante que nem ela mesma se lembra que ele existe e tendo um caso com um homem comprometido. O que deu errado no meio do caminho para que uma garota brilhante se tornasse uma adulta medíocre?
Eu sempre me identifiquei com a Rory. Depois da Paris Geller (god bless her), ela é minha personagem favorita da série. Apesar de a situação atual dela parecer extremamente destoante da minha - ela na casa dos 30, viajada, em constante conflito amoroso; eu com 22 anos, mal saí do estado que moro e o máximo que experienciei de relacionamentos foi chorar lendo fanfictions de casais da ficção (só deus pode me julgar) - talvez eu nunca tenha me identificado tanto com a Rory como nessa temporada.
Usando um dos termos mais clichês da blogosfera (só atrás talvez de "a incrível geração de alguma coisa levemente condescendente"), a "Síndrome" de Rory Gilmore afeta 95% dos adultos que uma vez foram crianças inteligentes e com futuro promissor (eu inventei essa estatística. Eu não sei nada de cálculo). Eu fui uma dessas crianças. Minhas notas boas sem muito esforço, minha facilidade em aprender e todos os livros que eu devorava me deram um falso senso de confiança ao entrar na vida adulta. Ninguém me avisou que dentro da faculdade meu conhecimento extensivo de literatura vitoriana seria inútil e que eu seria apenas outro tijolo no muro.
As expectativas das pessoas ao nosso redor e o medo de frustrá-las, a tendência a uma autocobrança de proporções astronômicas e uma dose de arrogância são catalisadores desse sentimento de inadequação que antigas crianças "prodígio" enfrentam quando jogadas no mundo real. Assim como Rory pensou em desistir do jornalismo por se sentir incapaz - e ter chegado a trancar a faculdade para "se encontrar", como manda o livro de regras de todo jovem branco privilegiado - e não boa o suficiente, todo semestre eu era acometida por uma crise de "que inferno eu estou fazendo nessa faculdade eu vou ser a pior médica do mundo não tô conseguindo respirar send help".
Talvez nada tenha dado errado na trajetória de vida da Rory Gilmore. Talvez a regra seja realmente crescer e perceber que não somos floquinhos de neve especiais e que a realidade é dura com todos nós, independente do futuro brilhante que fomos prometidos durante a infância, e que as pessoas que alcançaram seu sucesso supostamente merecido, as Paris Gellers do mundo, são apenas felizes excessões.
Independente do futuro planejado pela Amy Sherman-Palladino para essa nova versão da Rory Gilmore, - falível, mais humana - a criadora de Gilmore Girls mais uma vez conseguiu expressar através de suas personagens a natureza mutável das personalidades e relações humanas do seu público alvo. Nós, uma vez adolescentes perspicazes e confiantes, e agora adultos aflitos e inseguros quanto ao que o futuro traz, agradecemos.
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