quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A Síndrome Rory Gilmore, ou crianças prodígio que se tornaram adultos medianos.

"Quem liga se eu sou bonita se eu perder nas provas?"

(Sim, esse vai ser mais um texto dos inúmeros que surgiram após o revival de Gilmore Girls, porque aparentemente toda a internet está obcecada por essa série. Contém spoilers sobre a temporada nova.)



Rory Gilmore sempre foi um floco de neve especial. Já havia lido todos os clássicos russos com 12 anos; enquanto outras crianças sonhavam com viagens pra Disney, seu maior almejo era entrar em Harvard, e quando terminou o ensino médio, foi prontamente aceita em várias faculdades de prestígio - para então depois de toda uma vida obcecada por Harvard, trocá-la por Yale, para a incredulidade desta que vos fala.

No revival e mais recente temporada da série, contudo, vemos uma nova face da Rory. Adulta, com 32 anos, desempregada, sem morada fixa, em um relacionamento tão insignificante que nem ela mesma se lembra que ele existe e tendo um caso com um homem comprometido. O que deu errado no meio do caminho para que uma garota brilhante se tornasse uma adulta medíocre?

Eu sempre me identifiquei com a Rory. Depois da Paris Geller (god bless her), ela é minha personagem favorita da série. Apesar de a situação atual dela parecer extremamente destoante da minha - ela na casa dos 30, viajada, em constante conflito amoroso; eu com 22 anos, mal saí do estado que moro e o máximo que experienciei de relacionamentos foi chorar lendo fanfictions de casais da ficção (só deus pode me julgar) - talvez eu nunca tenha me identificado tanto com a Rory como nessa temporada.

Usando um dos termos mais clichês da blogosfera (só atrás talvez de "a incrível geração de alguma coisa levemente condescendente"), a "Síndrome" de Rory Gilmore afeta 95% dos adultos que uma vez foram crianças inteligentes e com futuro promissor (eu inventei essa estatística. Eu não sei nada de cálculo). Eu fui uma dessas crianças. Minhas notas boas sem muito esforço, minha facilidade em aprender e todos os livros que eu devorava me deram um falso senso de confiança ao entrar na vida adulta. Ninguém me avisou que dentro da faculdade meu conhecimento extensivo de literatura vitoriana seria inútil e que eu seria apenas outro tijolo no muro. 

As expectativas das pessoas ao nosso redor e o medo de frustrá-las, a tendência a uma autocobrança de proporções astronômicas e uma dose de arrogância são catalisadores desse sentimento de inadequação que antigas crianças "prodígio" enfrentam quando jogadas no mundo real. Assim como Rory pensou em desistir do jornalismo por se sentir incapaz - e ter chegado a trancar a faculdade para "se encontrar", como manda o livro de regras de todo jovem branco privilegiado - e não boa o suficiente, todo semestre eu era acometida por uma crise de "que inferno eu estou fazendo nessa faculdade eu vou ser a pior médica do mundo não tô conseguindo respirar send help".

Talvez nada tenha dado errado na trajetória de vida da Rory Gilmore. Talvez a regra seja realmente crescer e perceber que não somos floquinhos de neve especiais e que a realidade é dura com todos nós, independente do futuro brilhante que fomos prometidos durante a infância, e que as pessoas que alcançaram seu sucesso  supostamente merecido, as Paris Gellers do mundo, são apenas felizes excessões.

Independente do futuro planejado pela Amy Sherman-Palladino para essa nova versão da Rory Gilmore, - falível, mais humana - a criadora de Gilmore Girls mais uma vez conseguiu expressar através de suas personagens a natureza mutável das personalidades e relações humanas do seu público alvo. Nós,  uma vez adolescentes perspicazes e confiantes, e agora adultos aflitos e inseguros quanto ao que o futuro traz, agradecemos.

13 comentários:

  1. Essa crise dos 30 da Rory já chegou bem forte na minha vida e de muitas amigas minhas... em que olham pra seu passado e percebem que tinham imaginado um mundinho cor de rosa...
    E a realidade não tem nada a ver com que se imaginou um dia... Ou pior... nos imaginavamos completamentes independentes... mas, na verdade ainda moramos com os pais e percebemos que quase nada mudou ao longo de tanto tempo...

    somos falíveis... somos pequenos... e somos errantes...
    Algumas infelizes com a profissão que escolheu (tipo assim eu aos 29 iniciando nova faculdade).. outras não acreditam mais no amor... outras não querem mais casar... outras não querem ter filhos... todas em desarmonia com algum setor de sua vida... ou com todos os setores...


    Planos alterados, sonhos frustrados... mas, continuamos tentando... nos reinventando!

    Enfim... não somos floquinhos de neve especial...
    P.

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    1. Sabia que o primeiro comentário ia ser seu, hahahah ❤

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  2. Eu tenho 20 anos e já me sinto um fracasso. Quando vc é destaque na escola vc acaba acreditando que o mundo é apenas aquilo e mal sabe que do outro lado daqueles muros ninguém ta pouco se lixando sobre suas incríveis notas, e assim quebra a cara bonito. Pro nível da minha sala eu era otima, e agora to aqui me fudendo em pré vest. Pra quem cresce em nosso sistema de ensino é difícil aprender que devemos ser mais do que notas e que somos mais importantes que elas tb.

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    1. SIM, esse sistema é muito fodido :( eu torço muito por vc, miga ❤ e obrigada por ler e comentar.

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  3. Sinto todo dia essa crise de Rory.
    Fora as crises diárias: de que porra tô fazendo com minha vida?
    cadê aquela nina toda destemida da adolescência?
    A constante de se sentir uma pessoa merda ou um adulto ruim, porque frustra muito as perspectivas principalmente dos pais, é dolorosa.
    Me sinto a Rory totalmente nessa fase adulta dela. Só adicione as crises de pânico.

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  4. Nina, a Rory pode não ter parte da crises de pânico, mas eu to aqui pra representar. Por que não melhorar o fato que vc já tá se sentindo um merda com uma crise que não te deixa sair de casa e te faz se sentir mais culpada ainda, né? Força pra nós ❤ e muito obrigada por ler e comentar.

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  5. Tava longe ser uma criança prodigio. Más adorei o texto. Esperando mais.

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  6. Gostei bastante, espero que o blog não morra de forma efêmera.

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    1. Obrigada 💙 vou continuar a postar, só tô esperando ter um tempinho para escrever, já tenho alguns posts planejados.

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  7. Caramba que textão...rs
    Acompanhei toda a série uns anos atrás e era maravilhoso acompanhar uma mãe destemida lutar para construir sua vida longe dos controles e padrões socias que vivia impostos por sua mãe...Lorelai pretendia dar a Rory toda a liberdade de escolha que não teve na infância e adolescência...e lembro que amava ver o convívio amigável das duas...louca pra voltar a assistir e ansiosa pra ler o próximo post!!

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    1. Obrigada, Meire! Assista mesmo, a volta da série foi maravilhosa.

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  8. O teu olhar (ainda) é mar
    desconhecido para os meus olhos,
    mas eu desejo mergulhá-lo e
    conhecer a sua história, os seus planos e os seus medos. Haiai, Iza, como eu gostaria que você se "achegasse" mais. Pelo que já percebi, você é fiel ao mundo dos livros, assim como eu, então, diga-me o que você acha do início de A Hora da Estrela? "Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. [...] Meu coração se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar." Você é uma garota incrível, eu lhe admiro imensuravelmente. Pelo amor do amor, deixa que seu coração seja preenchido tmb por uma história e que sua alma encante-se por outra.


    Att, crush! ❤

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